O que é intertextualidade?

Postado 31 de outubro de 2022

Você já escutou a frase “Na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, de Antoine-Laurent de Lavoisier? Nesse trecho, ele estava falando sobre os processos químicos, porém podemos levar esse princípio para outros contextos. Isso porque na literatura, audiovisual, teatro, cultura de modo geral, muitos seguem a ideia de ter um direcionamento a partir do que já foi criado por outras pessoas, assim “nada há de novo debaixo do sol”, de Eclesiastes 1:9. 

Nesse sentido, não sei se conseguiu perceber, mas em um único parágrafo já utilizamos duas vezes como recurso a intertextualidade, citando um químico e uma passagem bíblica, as quais ajudarão a tornar mais compreensível a explicação sobre o conceito de intertextualidade. Podemos definir intertextualidade, por exemplo, como a influência de um texto sobre outro, ou seja, há um material primário que serve de inspiração ou de base para a criação de um novo. Assim, o que fizemos no início deste texto foi uma intertextualidade do tipo citação por meio de um argumento de autoridade.  

Dito isso, você precisa saber que não existe apenas o tipo de intertextualidade que utilizamos como exemplo, há muitos outros. Para conhecê-los, siga para o próximo tópico e aproveite a leitura! 

 

Quais os tipos de intertextualidade?
 

Já nas primeiras linhas deste texto, você pode ter contato com um tipo de intertextualidade: a citação. Essa é uma das intertextualidades mais simples e mais fáceis de identificar; pois, ao fazê-la, ela estará destacada pelas aspas e com a indicação do nome de seu autor. Além disso, é muito importante que esteja atento para sempre referenciar quem criou a obra utilizada como mote ou inspiração para aquilo que está elaborando. Isso porque, sem a devida referência, você pode acabar entregando um plágio como resultado final. 

Para que você conheça um pouco mais desse recurso, a seguir listamos mais alguns tipos de intertextualidade, que com certeza farão a diferença nos seus próximos textos. Confira! 

  1. Paráfrase: usa-se as mesmas ideias de um texto, mas se escreve de uma outra forma, ou seja, com novas palavras sem perder o significado essencial da obra primária. 
  2. Paródia: aqui cria-se uma caricatura da obra original, geralmente com a intenção de criticá-la. Nem sempre o objetivo é atacar o autor, mas criticar a partir do que é dito um aspecto da sociedade ou uma ideia presente no texto, utilizando como recurso o humor. 
  3. Pastiche: apesar de ser parecido com a paródia, o novo texto servirá como uma homenagem a obra ou autoria original em vez de gerar humor. 
  4. Epígrafe: trecho de um texto citado antes do primeiro capítulo de um livro, normalmente não é colocada mais do que uma frase da obra primária. 
  5. Alusão: nesse tipo de intertextualidade, a referência é feita de maneira bem sutil. Ela pode ocorrer por conseguirmos notar similaridade no modo de trabalhar os temas ou a narrativa entre a obra nova e algum texto mais consagrado. 

Agora que você já entende um pouco mais do conceito de intertextualidade, precisa de alguns exemplos a fim de que não reste qualquer dúvida sobre esse assunto. Por isso, continue a leitura!

 

Exemplos de intertextualidade?
 

Pelo que explicamos até aqui, podemos resumir o conceito de intertextualidade como uma forma de retomar uma obra em um novo texto ou criação. Com o intuito de que fique ainda mais claro do que se trata a intertextualidade, a seguir, separamos exemplos para você. 

  • La casa de papel – não precisa de muito esforço para notar a referência ao pintor Salvador Dalí, uma vez que usam máscaras que simulam o rosto do artista. A série com essa intertextualidade mostra toda a sua relação com o caos e a quebra da normalidade, postura pregada pelo pintor surrealista. 
  • Easter eggs são dicas de outras obras que podem aparecer em filmes, como se convidasse quem está assistindo para desbravar as referências utilizadas para criar a peça audiovisual. Um bom exemplo disso são os filmes da Marvel e da Pixar. 
  • Shrek quem assistiu à animação, percebe logo de cara que a narrativa é uma paródia dos contos de fada que conhecemos. Se quer confirmar isso, assista ao longa e faça uma lista com as diferenças entre a história e os personagens da obra e os contos de fada mais tradicionais, encontre também as possíveis críticas presentes no enredo. 
  • Love story, de Taylor Swift a cantora traz em sua composição um amor proibido entre dois jovens porque a sua família não aceita que eles se relacionem. Podemos dizer que há uma alusão à peça Romeu e Julieta, de Shakespeare, em que a mesma narrativa é apresentada, escute a música e verá que com certeza há relação entre as duas obras. 
  • Admirável chip novo, de Pitty a cantora compôs essa música se baseando no livro “Admirável mundo novo”, de Aldous Huxley. Basta olhar para os dois títulos que já podemos perceber a relação, mas para quem quiser ir mais a fundo na intertextualidade entre as duas obras, sugiro ler o livro que aborda uma sociedade distópica e depois comparar com aquilo que é dito na letra da música. 

Fez sentido para você? Como sabemos que a sua principal pergunta deve ser “como o conceito de intertextualidade pode aparecer em questões de intertextualidade no Enem?”, deixamos para o final a melhor parte. Acompanhe! 

 

Como pode aparecer no Enem?  

“As boas provas não se baseiam em medir a capacidade do estudante de memorizar um maior número de frases ou imagens, mas sim em avaliar sua habilidade de compreender a natureza da ligação entre os textos.” Assim, “geralmente, é solicitado que o candidato saiba reconhecer em que aspecto a utilização da intertextualidade contribui para a compreensão do discurso do artista que optou por referir-se a outro na construção de seu trabalho.”, afirma o professor Maurício Soares Filho, professor de Literatura do Curso Anglo e especialista em História da Arte, do curso Anglo. 

Além disso, por existirem muitos tipos de intertextualidade, os vestibulares e, principalmente, o Enem podem usar esse recurso de diversas maneiras. As questões de intertextualidade no Enem vão além e exigem muito mais que só o conhecimento teórico, você precisará de interpretação de texto somada às características desse recurso aplicado entre textos, mas não precisará conhecer as obras referenciadas nos trechos que forem propostos para análise. Escolhemos duas questões que o ajudarão a compreender o que será encontrado no dia do exame. 

  1. (Enem 2020 — 2ª aplicação) 

TEXTO I 

A dupla Claudinho e Buchecha foi formada por dois amigos de infância que eram vizinhos na comunidade do Salgueiro. Os cantores iniciaram sua carreira artística no início dos anos 1990, cantando em bailes funk de São Gonçalo (RJ), e fizeram muito sucesso com a música Fico assim sem você, em 2002. Buchecha trabalhou por um bom tempo como office boy e Claudinho atuou como peão de obras e vendedor ambulante. 

Disponível em: http://dicionariompb.com.br. Acesso em: 19 abr. 2018 (adaptado). 

TEXTO II

Ouvi a canção Fico assim sem você no rádio e me apaixonei instantaneamente. Quando isso acontece comigo, não posso fazer nada a não ser trazer a música pra perto de mim e então começar a cantar e tocar sem parar, até que ela se torne minha. A canção caiu como uma luva no repertório do disco e eu contava as horas pra poder gravá-la. 

CALCANHOTTO, A. Fico assim sem você. Disponível em: www.adrianapartimpim.com.br. Acesso em: 19 abr. 2018 (adaptado). 

A letra da canção Fico assim sem você, que circulava em meios populares, veiculada pela grande mídia, começou a integrar o repertório de crianças cujas famílias tinham o hábito de ouvir o que é conhecido como MPB. O novo público que passou a conhecer e apreciar essa música revela a 

a) legitimação de certas músicas quando interpretadas por artistas de uma parcela específica da sociedade.

b) admiração pelas composições musicais realizadas por sujeitos com pouca formação acadêmica.

c) necessidade que músicos consagrados têm de buscar novos repertórios nas periferias.

d) importância dos meios de comunicação de massa na formação da música brasileira.

e) função que a indústria fonográfica ocupa em resgatar músicas da periferia.

A alternativa correta é a letra A, tanto o texto I quanto o texto II ressaltam o sucesso da música Fico assim sem você. Entretanto, o enunciado aponta que foi com a regravação feita por Adriana Calcanhoto que um público de outra camada social — o qual ouvia MPB um tipo de música mais restrito e elitizado — passou a consumir o hit de Claudinho e Buchecha, já consagrado anteriormente pela camada mais popular da sociedade. Dessa forma, fica claro que, com uma artista da música popular brasileira interpretando a composição de uma dupla que iniciou a carreira tocando em bailes funks, houve a ascensão da composição para um público específico que provavelmente não os ouviria em outro contexto. A intertextualidade aqui está no fato dos dois textos citarem a composição musical. 

2.            (Enem 2016 — 2ª aplicação) 

TEXTO I
280 novos veículos por dia no estado
Frota, que chega a quase 1,4 milhão, deve dobrar em 13 anos 

A cada dia, uma média de 280 novos veículos chega às ruas do Espírito Santo, segundo dados do Departamento Estadual de Trânsito (Detran-ES). No final do mês passado, a frota já era de 1.395.342 unidades, 105 mil a mais do que no mesmo mês de 2011. Os números incluem automóveis, motocicletas, caminhões e ônibus, entre outros tipos. De dezembro para cá, o crescimento foi de mais de 33 mil veículos. E, se esse ritmo continuar, a frota do Espírito Santo vai dobrar até 2025. O diretor-geral do Detran-ES relaciona o crescimento desses números à facilidade encontrada para se comprar um veículo. “Há toda uma questão econômica, da facilidade de crédito. Como oferecemos um transporte coletivo que ainda precisa ser melhorado, inevitavelmente o cidadão que pode adquire seu próprio veículo”. 

Disponível em: http://gazetaonline.globo.com. Acesso em: 10 ago. 2012 (adaptado). 

TEXTO II 

Os textos I e II tratam do mesmo tema, embora sejam de gêneros diferentes. Estabelecendo-se as relações entre os dois textos, entende-se que o Texto II tem a função de 

a) reprovar as medidas do governo de incentivo à aquisição do carro próprio.

b) apontar uma possível alternativa para resolver a questão do excesso de veículos.

c) mostrar a dificuldade de solução imediata para resolver o problema do crescimento da frota.

d) criticar, por meio da sátira, as consequências do aumento da frota de veículos.

  1. e) responsabilizar a má qualidade do serviço de transporte pelo crescimento do número de veículos.

A alternativa correta é a letra D, o Texto I é uma notícia e, por meio da linguagem não verbal, é citado no Texto II. O diálogo entre os textos, juntamente com a fala da professora na charge, demonstra o problema de tráfego presente na sociedade, além disso os leitores mais atentos devem ter percebido que a mulher traz um princípio da física que o estudante possivelmente ilustrou errado, ele prontamente rebate com o aumento diário da frota de veículos publicado no jornal. Portanto, o que é dito pela docente é também referência a outra obra que o chargista usa para criticar o que está acontecendo no Espírito Santo. 

Então, as questões de intertextualidade no Enem não buscam que o estudante classifique os tipos de intertextualidade, mas que use seus conhecimentos sobre o conceito de intertextualidade para descobrir a resposta correta. A dica mais preciosa que podemos lhe dar é: pratique, resolvendo questões de intertextualidade oficiais do Enem ou de qualquer vestibular para o qual estiver se preparando. 

Até mais! 

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